Por Mohamed El-Erian.
A maioria dos economistas é tentada a confiar em análise incremental para explicar a propagação das taxas de juros negativas e suas implicações para a economia e os mercados globais. Isso é compreensível, mas a inclinação para se concentrar principalmente em mudanças marginais poderia ser excessivamente parcial e até mesmo equivocada – especialmente para os participantes do mercado que devem aguentar as consequências não intencionais dos rendimentos abaixo de zero, incluindo a possibilidade de eventos de “inflexão”.
O argumento convencional dos economistas é algo como: as ações dos bancos centrais e a precificação de mercado dos yields de títulos do governo provaram que o zero não constitui mais um limite nominal inferior das taxas de juro. Como resultado, os efeitos de taxas negativas são melhor analisados em termos de deltas – isto é, por extrapolação do efeito marginal de uma alteração nas taxas (por exemplo de menos 0,2 por cento, para menos 0,3 por cento), em oposição à análise dos níveis como um todo. Apesar da anomalia histórica das taxas nominais negativas, a maioria dos economistas se inclina a aplicar a análise tradicional de um contínuo de preços, comportamentos e efeitos econômicos.
Não estou tão certo de que esta seja necessariamente a abordagem correta. Três desenvolvimentos atuais apoiam este ceticismo e sugerem a necessidade de um pensamento mais aberto e análise:
Em primeiro lugar, grande parte da estrutura institucional para a prestação de serviços financeiros para milhões em economias avançadas não foi projetada para operar por muito tempo com taxas de juros nominais negativas, e com o achatamento associado da curva de yield. Por exemplo, com pressões sobre as margens líquidas de juros, os bancos enfrentam desafios maiores na intermediação de fundos e se inclinam cada vez mais a recusar depósitos. Além disso, os provedores de poupança, proteção e seguros financeiros de longo prazo – de fundos de pensões a companhias de seguros – vão ter mais dificuldades de cumprir as expectativas dos clientes de retornos seguros significativos daqui a alguns anos. Não há substitutos significativos disponíveis no curto prazo.
Segundo, taxas de juros negativas persistentes podem obrigar um número crescente de indivíduos a se desfazer de um sistema financeiro que agora cobra deles pela colocação de depósitos e poupanças. Não admira que a venda de cofres caseiros aumentou no Japão depois que o Banco do Japão inesperadamente decidiu seguir o Banco Central Europeu na política da taxa de juros negativa.
Terceiro, se as taxas de juros negativas forem além dos limites percebidos de moderação e sustentabilidade, as modalidades de funcionamento de certos mercados podem mudar. Esta dinâmica pode estar funcionando no recente comportamento intrigante dos mercados de câmbio após tanto o Banco do Japão quanto o BCE adotarem e reforçarem a política de taxas negativas.
Em vez de desvalorizar, tanto o iene quanto o euro valorizaram. Embora alguns desses movimentos contra-intuitivos refletiram um Federal Reserve um pouco mais dovish, que mitigou expectativas de taxas de juros altamente divergentes entre os bancos centrais do mundo, poderia muito bem existir algo maior em jogo: especificamente, a diluição dos diferenciais de taxas de juros como o principal motor dos valores das moedas, particularmente quando uma maior atenção é dada aos efeitos das ações, incluindo a capacidade dos cidadãos de repatriar recursos do exterior. Esta é uma preocupação especial para o Japão.
Tudo isto exige uma análise mais aprofundada e mais aberta dos economistas para avaliar como o sistema econômico e financeiro mundial opera agora que cerca de um terço da dívida pública global está sendo negociada com rendimentos nominais negativos. Especificamente, os efeitos de ações e influências comportamentais poderiam alterar as conclusões que são derivadas de uma análise baseada principalmente em diferenciais de taxa de juros e outras considerações de preços relativos.
Se esse for o caso, e suspeito que será, as implicações para os investidores e traders vão muito além do potencial de um novo conjunto de potenciais turbulências inesperadas e incomuns para o crescimento econômico e os lucros das empresas. O novo entendimento exigiria alterar modelos de precificação para os mercados de câmbio, a reformulação de suposições sobre correlações entre diferentes classes de ativos, ser mais aberto à possibilidade de saltos repentinos do mercado, e calcular um maior prêmio de risco de liquidez.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.
Para ter acesso a notícias em tempo real entre em contato conosco e assine nosso serviço Bloomberg Professional.