Por Bruce Douglas, Gabriel Shinohara e Rachel Gamarski.
Uma lua de mel no Mediterrâneo não é o tipo de investimento que o plano de poupança obrigatório do Brasil pretendia financiar.
Empregadores têm que pagar uma parte do salário de seus trabalhadores ao FGTS, e normalmente os funcionários não podem sacar nada a menos que sejam demitidos, que adoeçam ou que comprem uma casa. Mas o governo, desesperado por alguma melhoria econômica, suspendeu essas regras. Agora os brasileiros poderão sacar dinheiro de suas contas e gastar como bem quiserem.
Por isso, Sabrina Orlov, uma publicitária recém-casada de 34 anos, de São Paulo, vai para Israel e Jordânia com os R$ 30.000 que recebeu inesperadamente. “Estou muito empolgada com isso”, disse ela. “Veio em um momento muito bom.”
Para a economia brasileira, o momento tem sido horrível — encolheu 3,6% em 2016, o segundo ano de uma recessão opressiva. E este é o ponto. O presidente Michel Temer prometeu reduzir um dos maiores déficits orçamentários do planeta. Então, o estímulo tradicional não é uma opção. Mas Temer afirma que a liberação de pelo menos R$ 30 bilhões do FGTS poderia adicionar meio ponto percentual ao crescimento neste ano.
Será que vai funcionar? Talvez, mas os economistas duvidam. Depende de quem vai receber o dinheiro e de como ele será usado.
Depois que Temer anunciou o plano em dezembro, os brasileiros vêm fazendo fila na porta da Caixa Econômica Federal para descobrir quanto poderão sacar.
Em uma agência no centro de Brasília, na semana passada, a maioria já tinha feito planos. Um funcionário de uma cafeteria disse que pretendia abrir seu próprio restaurante. Um porteiro disse que consertaria seu carro. A maioria das pessoas, como a supervisora de limpeza Zélia Caetano, disse que planejava liquidar dívidas. As respostas coincidem com uma pesquisa on-line realizada no mês passado, em que mais de 70% dos participantes afirmaram que iriam investir o dinheiro ou usá-lo para pagar dívidas.
Caso eles façam isso, o aumento do consumo será limitado. Mas, segundo o economista Otto Nogami, do Insper, de São Paulo, não é assim que os brasileiros costumam agir.
Benefícios discutíveis
“Sem sombra de dúvida, os brasileiros vão gastar”, disse Nogami. “Uma coisa é responder a uma pesquisa dizendo que você vai economizar. Mas, quando se tem o dinheiro na mão, é típico do brasileiro consumir — e lidar com as dívidas em algum momento do futuro.”
Adriana Dupita, economista do Santander, estudou a provável distribuição dos recursos do FGTS e concluiu que eles estão destinados aos brasileiros menos inclinados a torrar tudo.
“O dinheiro está concentrado nas mãos de poucas pessoas”, disse Dupita. “Essas pessoas são menos inclinadas a usar o dinheiro no consumo e têm maior probabilidade de economizar.” Cerca de 80 por cento dos solicitantes receberão R$ 1.500 (US$ 480) ou menos, de acordo com a pesquisa do Santander.
Então, os benefícios para a economia são discutíveis — o que também se aplica ao provável impacto sobre o nível de aprovação de Temer, atualmente em torno de 10 por cento. É o mesmo patamar em que estava Dilma Rousseff pouco antes de sofrer o impeachment.
Maria Marlene, uma empregada doméstica de 59 anos que disse que o pagamento “ajudará com as contas da casa”, foi otimista. “É dinheiro que você está recebendo, que ia ficar com eles, com o governo”, disse ela. E sobre Temer: “Até agora, ele está indo melhor do que a outra.”
Mas Zélia Caetano, também esperando na fila do banco, não pensou que conceder aos brasileiros acesso ao seu próprio dinheiro era um grande favor conferido pelo presidente. “É nosso direito”, ela disse, “não adianta tapar o sol com a peneira”.
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