Por Fabiola Moura, Felipe Marques e Cristiane Lucchesi com a colaboração de Julia Leite.
Luiza Helena Trajano, presidente do conselho da varejista brasileira Magazine Luiza SA, tinha acabado de concluir uma palestra, no ano passado, quando recebeu telefonemas do time de segurança da empresa: a gerente de loja de Campinas Denise Neves dos Anjos, 37 anos, havia sido esfaqueada até a morte em seu quarto. O marido de Denise, o principal suspeito, tinha sido encontrado morto em seu carro.
O assassinato violento – o corpo de Denise estava amarrado e seu pescoço cortado – chocou Trajano, filha única que cresceu no Estado mais rico do Brasil e nunca enfrentou atos de brutalidade.“Eu fiquei muito mal”, disse Luiza em entrevista na sede do Magazine Luiza, em São Paulo. “Eu sabia há muito tempo que uma mulher é morta no Brasil a cada duas horas, mas confesso que achei que era uma questão muito distante de nós”.
O choque se transformou em determinação. Após o assassinato, Luiza criou uma linha telefônica na qual os funcionários podem denunciar violência ou atividades suspeitas. A empresa já recebeu 180 chamadas, incluindo de homens, segundo ela. As vítimas recebem ajuda legal e psicológica e conselhos sobre como denunciar crimes às autoridades.
O Magazine Luiza também estabeleceu cotas: as mulheres abusadas agora devem representar pelo menos 2 porcento dos funcionários nas empresas terceirizadas, pois ter um emprego traz independência financeira e pode ser o primeiro passo para uma mulher ter os meios para deixar um marido abusivo, disse Luiza. A empresa também criou campanhas de vendas para arrecadar fundos para organizações não-governamentais que apóiam as mulheres.
A mais famosa dessas campanhas foi a venda de 30.000 colheres em dois dias, ao preço de R$ 1,80 por colher, no Dia das Mulheres deste ano, sob o lema: “Vamos meter a colher sim,” uma referência ao ditado popular “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.”
Ranking de bilionários
Luiza transformou a Magazine Luiza de uma pequena firma criada em 1957 por sua tia e tio, Luiza Trajano Donato e Pelegrino José Donato, em uma empresa com valor de mercado de R$ 28,8 bilhões (US$ 7,8 bilhões). As ações da varejista subiram 88 porcento este ano, em comparação com 13 porcento do Ibovespa. A valorização empurrou Luiza para as ricas fileiras dos bilionários brasileiros. Sua participação de quase 19 porcento, principalmente por meio de holdings com controle acionário, vale R$ 5,47 bilhões.
Luiza atribui parte desse sucesso ao fato de ser mulher, trazendo uma perspectiva que está faltando no topo de algumas empresas brasileiras.
“Tenho reuniões em que sou só eu de mulher, mas eu tenho a minha intuição, a perspicácia de ser feminina, uma maneira feminina de administrar”, disse ela. “Eu não tenho nada contra os homens; acredito na união de forças masculina e feminina.”
Um exemplo: Luiza é conhecida por chorar em reuniões de trabalho. Enquanto esse tipo de emoção é reprimida em um ambiente de gestão dominado pelos homens, Luiza considera que ela humaniza a cultura corporativa.
“Se eu tivesse de chorar, eu chorava”, disse ela.
No mês passado, Luiza esteve à frente de uma platéia de 200 pessoas, incluindo presidentes-executivos e presidentes de conselho, na inauguração do laboratório de inovação remodelado da varejista, uma operação com mais de 450 engenheiros e especialistas dedicados à criação de produtos e serviços com novas tecnologias. Ela falou sobre as medidas que as empresas poderiam adotar para enfrentar o problema da violência contra as mulheres no Brasil.
Alguns dos fatos preocupantes: mais de 500 mulheres são vítimas de agressão a cada hora no Brasil, e uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Um estudo da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais estimou que um terço das mulheres brasileiras assassinadas em 2013 foram mortas por um parceiro ou ex-parceiro afetivo.
Enquanto as mulheres representam mais da metade da população, elas passarão a ocupar apenas 15 porcento dos assentos nas duas casas do Congresso após pequenos ganhos nas eleições de domingo. A votação trouxe uma retumbante vitória no primeiro turno para Jair Bolsonaro, que chegou a dizer que não pagaria o mesmo salário para mulheres e homens, e afirmou a uma congressista que ela não “merecia” ser estuprada.
“Vou enviar meu diretor de recursos humanos aqui imediatamente”, disse Romeu Domingues, presidente do conselho da Diagnosticos da América SA, que participou do evento da Magazine Luiza. “Cerca de 75 porcento dos nossos funcionários são mulheres, assim como 75 porcento dos nossos clientes. Sempre soubemos que a violência era um problema, mas não pensávamos em como poderíamos agir.”
Outro participante, Fabio Coelho, presidente do Google para o Brasil, chamou Luiza de “uma das grandes embaixadoras dos direitos das mulheres no Brasil neste momento”.
Entre os outros empreendimentos de Luiza está o grupo Mulheres do Brasil, que apóia a igualdade de renda e gênero, bem como cotas para levar mais mulheres ao mercado de trabalho. Fundada em 2013 com 40 executivas, a organização conta atualmente com mais de 19.000 membros.
Como líder do grupo, Luiza tem falado com juízas, promotoras, chefes de polícia e outras mulheres em cargos de autoridade para incentivar políticas como mais delegacias de polícia abertas nos finais de semana e a contratação de psicólogos para ajudar mulheres vítimas de abuso. Ela também apóia iniciativas para levar programas de assistência para mulheres a mais centros de saúde pública. Na arena corporativa, o grupo está fazendo campanha por uma regra que estabeleça uma cota de 30 porcento para as mulheres nos conselhos de administração das empresas brasileiras.
Luiza, que diz que sua família lhe ajudou a ter uma “boa auto-estima”, sempre foi uma inovadora. A Magazine Luiza foi pioneira em 1991 quando criou um dos primeiros negócios on-line do Brasil, a chamada loja do ano 2000.
“Ninguém entendeu o que isso significava naquela época”, disse ela.
Enfrentando a controvérsia
À frente da varejista de 1991 a 2015, Luiza também se deparou com a pressão de analistas que pediam que a empresa separasse suas lojas físicas da plataforma digital. A empresa chegou ao valor de apenas R$ 174,2 milhões em dezembro de 2015 com a controvérsia.
“Não acreditávamos nessa separação, porque pensávamos que isso somente aumentaria nossos custos”, disse Luiza.
A empresa investiu em um centro de distribuição e de transporte integrado, em laboratórios de digitalização e inovação. “Hoje, somos uma empresa de tecnologia, visitada por pessoas de todo o mundo”, disse ela. O mercado acabou se rendendo ao modelo integrado e agora, enquanto os concorrentes tentam recuperar o atraso, a Magazine Luiza prospera, com mais de 900 lojas, 25.000 funcionários e um terço de suas vendas pelo comércio eletrônico.
Trajano não quis falar sobre seu candidato preferido na eleição presidencial deste mês. Mas deixou claro apenas um ponto: “Não gostamos de nenhuma declaração, de político ou não, que menospreze qualquer tipo de diversidade, de raça, gênero, que menospreze a mulher.”
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