Por Gerson Freitas Jr. com a colaboração de Tom Freke.
O segundo maior produtor mundial de carne bovina está explorando o mercado de títulos de dívida atrelados à proteção do meio ambiente num momento em que o setor enfrenta fortes críticas por seu impacto sobre o clima.
A Marfrig, com operações na América do Sul e nos Estados Unidos, está vendendo até US$ 500 milhões em papéis conhecidos como bônus de transição, com vencimento em 10 anos. Trata-se de um instrumento destinado a financiar projetos de mitigação de impacto ambiental e social por emissores com acesso restrito ao mercado mais tradicional de bônus verdes (‘green bonds’), como petroleiras, mineradoras e empresas do agronegócio.
Os organizadores da emissão incluem BNP Paribas, ING e Santander.
A Marfrig está se comprometendo a usar os recursos da emissão exclusivamente na compra de gado de fazendeiros da região amazônica que atendam a pré-requisitos de sustentabilidade, entre os quais o não-desmatamento, o bem-estar animal e o respeito a normas trabalhistas, segundo o diretor financeiro Marco Antonio Spada.
A empresa origina no bioma amazônico no cerca de um quinto do gado de todo o gado que abate.
A Marfrig está buscando reforçar suas credenciais ecológicas num momento em que a indústria da carne está nos holofotes por conta de sua pegada ambiental. A pecuária está entre os principais emissores de gases que contribuem para o aquecimento global, e a criação de gado a pasto é apontada como um dos maiores responsáveis pelo desmatamento da Floresta Amazônica.
Carne ‘sem carne’
Nos Estados Unidos, hambúrgueres e outros produtos à base de proteína vegetal – que são vistos como mais verdes – se tornaram uma alternativa cada vez mais popular entre os consumidores de carne. Uma startup do setor, a Beyond Meat, vale hoje quase 12 vezes mais do que a Marfrig.
“A gente vê uma preocupação muito forte, entre investidores, em relação à questão da sustentabilidade. Queremos mostrar um pouco do que estamos fazendo”, disse Spada, em entrevista por telefone.
A agricultura responde por 40% do uso da terra, 30% das emissões de gases de efeito estufa e 70% do consumo de água doce, informou o UBS Global Wealth Management em relatório neste mês, citando as Nações Unidas. E com a demanda por carne crescendo globalmente, agricultores, pecuaristas e demais segmentos do agronegócio estão sendo cobrados a fazer mais para proteger o planeta.
Em 2009, a Marfrig e outros frigoríficos brasileiros firmaram um acordo para não comprar gado de áreas de desmatamento na Amazônia. O compromisso vem sendo cumprido pela empresa há sete anos seguidos, segundo um comunicado da Marfrig. O processo de compra de gado na região será ainda mais rigoroso no âmbito dos bônus de transição, com o monitoramento de fornecedores diretos e indiretos, disse Spada.
Em maio, a Marfrig contratou Paulo Pianez, ex-executivo do Carrefour, como diretor de sustentabilidade.
Mercado de green bonds
A emissão de bônus verdes superou US$ 100 bilhões no primeiro semestre do ano, acima dos US$ 66 bilhões no mesmo período de 2018, segundo dados compilados pela Bloomberg. Embora a demanda do mercado permaneça forte, as empresas não-financeiras capazes de emitir essas notas estão fortemente concentradas no setor de energia.
Os títulos de transição devem ajudar a reduzir as barreiras de entrada ao financiamento sustentável e abrir o diálogo entre empresas e investidores alinhados com os critérios ambientais, sociais e de governança, segundo Daniel Shurey, diretor de finanças verdes da BloombergNEF.
“O setor agrícola tem tido dificuldades com os green bonds convencionais”, disse Shurey em entrevista. Instrumentos como bonds de transição e finanças sustentáveis baseadas em comportamento – mais do que em atividades específicas – são bem mais adequados ao agro, acrescentou.
“Mas, à medida que continuem no caminho da transição, essas empresas precisarão fazer mais para provar que estão indo além do ‘mais do mesmo’ em termos de descarbonização”, disse ele. “As expectativas dos investidores também vão evoluir.”
Na semana passada, a gigante do agronegócio Cargill se comprometeu a reduzir o impacto ambiental de suas operações de carne bovina nos Estados Unidos em 30% até 2030, o equivalente a remover dois milhões de carros das rodovias norte-americanas por um ano.
“O mundo está mudando e fechar os olhos para isso seria burrice,” afirmou Spada.