Artigo escrito por Andre Pereira, analista empresarial de hedge accounting, e David Wiggins, líder da equipe de especialistas em fluxos de trabalho, da Bloomberg.
A evolução do papel da tesouraria corporativa é agora impulsionada por dados em tempo real e necessidades analíticas, alimentada pelo aumento das capacidades de digitalização e automação. Esta evolução é conhecida como “Tesouraria 4.0”.
Os tesoureiros de hoje precisam fazer mais com menos. Sua produção precisa ser mais perspicaz ao mesmo tempo em que exige uma entrega em ritmo mais acelerado. Os erros precisam ser mitigados e os processos manuais drasticamente minimizados ou completamente eliminados. Nos últimos 30 anos, os departamentos de tesouraria tornaram-se organizações cada vez mais complexas com uma infinidade de novas exigências, principalmente na área de inteligência de negócios aprimorada. Como enfrentar estes desafios – com uma combinação de tecnologias existentes com tecnologias novas e emergentes – é uma pergunta que está longe de ser fácil ou óbvia de ser respondida.
A Tesouraria 4.0 reformula, fundamentalmente, como os departamentos de tesouraria funcionam. Inovações como a automação robótica de processos (RPA, na sigla em inglês), a coleta avançada de dados via APIs e a inteligência artificial ajudam as tesourarias a melhorar a visibilidade dos riscos e a tomada de decisões. A ideia de uma tesouraria digital não significa apenas o uso de uma única plataforma tecnológica, mas sim de um ecossistema de tecnologias conectadas que podem ser exploradas para agregar valor e facilitar melhores decisões em tempo real.
4 níveis de automação de tesouraria
1.0 O primeiro nível pode ser definido como uma função imatura, fragmentada ou informal, caracterizada por processos manuais. Este nível é localizado com base em regras contábeis regionais, em vez de um processo centralizado. Estas regras não incluem o conceito de “valor justo” e o processo de hedging é lento e manual, devido à falta de dados ou dificuldades na agregação e na análise daqueles disponíveis. As empresas nesta fase dependem significativamente de suas contrapartes bancárias. Estas relações eram fundamentais para o sucesso do grupo.
2.0 O segundo nível é caracterizado pelo uso exponencial de dados e tecnologia. Aqui, vemos a adoção de plataformas de trading para substituir as execuções via telefone, e a integração de processamento direto na captura de transações em sistemas dedicados de tesouraria. Essencialmente, estas plataformas permitiam que os tesoureiros atingissem melhores níveis de execução por meio de transações multibancárias, em vez de, ineficientemente, ligar para vários bancos em busca do melhor preço. O sistema de tesouraria passou a ser mais sofisticado nesta fase para dar suporte às novas regras contábeis que exigem a contabilização do valor justo. Estas inovações permitiram uma melhor análise da gestão de risco, dando às empresas um grau de independência em relação às suas contrapartes bancárias, com mais especialistas de mercado no front office.
3.0 Neste fase, o papel do grupo de tesouraria é definido como o sistema nervoso financeiro da empresa. Este é um resultado da crise econômica de 2008, que reforçou a importância da liquidez e da gestão de risco antecipada; mas também possibilitado pela disponibilidade de tecnologia aprimorada na forma de sistemas contábeis que abrangem toda a empresa, soluções baseadas na web e conectividade bancária aprimorada via SWIFT. Em suma, tornou-se cada vez mais importante e mais fácil para as empresas centralizar suas atividades de tesouraria global. É nesta fase que vimos o surgimento de mais interoperabilidade de sistemas por meio da integração de arquivos simples com o uso de protocolos de transferência de arquivos seguros (sFTP).
Tesouraria 4.0 Segundo o material publicado pela KPMG, refere-se a esta fase como a “informatização da tecnologia de fabricação com o objetivo de criar uma fábrica inteligente caracterizada por adaptabilidade, uso eficiente de recursos, design ergonômico, e integração de clientes e parceiros de negócios na cadeia de valor”.
As funções tradicionais, como executar atividades operacionais, investir liquidez no curto prazo e garantir crédito de curto prazo, permanecem. Hoje, no entanto, estes papéis tradicionais ficam em segundo plano. Os tesoureiros precisam dominar estas atividades tradicionais, mas agora devem estar mais focados em demandas ad hoc, como monitorar o ambiente e interagir com as unidades de negócios para entender como as mudanças afetarão a liquidez, as exposições ao risco, e assim por diante.
Para enfrentar os novos desafios, a tesouraria precisará de:
- Visibilidade em tempo real de saldos, previsões, transações, posições de contraparte, exposições cambiais, entre outros;
- Acesso a dados e análises de mercado precisos em tempo real ou próximo a isso;
- Transparência de precificação com identificação clara de seus fatores de risco
Estas três necessidades são essenciais para otimizar ainda mais a execução de seus hedges, principalmente para exposições cambiais e de commodities (abordaremos isto em mais detalhes posteriormente).
Além disso, as tesourarias também precisam de ferramentas e processos adequados para avaliar o impacto de eventos exógenos. Finalmente, será solicitado aos tesoureiros que gerem rapidamente relatórios ad hoc para a diretoria, a administração e outras partes interessadas internas que precisam compreender o impacto dos eventos e determinar o melhor curso de ação. Isto é essencial para equipar os recursos humanos com a capacidade de resposta para avaliar o fluxo de caixa e os impactos provenientes de choques de mercado nos lucros, o que pode afetar a liquidez global ou volatilidade de forma significativa, semelhante ao ocorrido durante a crise financeira global.
Para todas as melhorias mencionadas, as tesourarias também precisarão manter políticas, processos, controles, métricas e governança atualizados.
Serão responsáveis por construir e manter uma infraestrutura de tecnologia para suportar todas estas exigências, incluindo sistemas de gestão de risco e tesouraria, e estruturas que permitem flexibilidade e capacidade de resposta.
Espera-se que, ao serem projetadas em uma lógica escalável e com o futuro em mente, estas soluções integradas possam evoluir e mudar com a organização. Esta não é uma tarefa fácil e, em muitos aspectos, está bastante distante do que se esperaria tradicionalmente de um tesoureiro experiente.
Este foco na tecnologia será refletido em três grandes temas:
- Arquitetura de sistema, caracterizada, cada vez mais, pela combinação de sistemas e sua interoperabilidade;
- Análise avançada, com adoção das melhores soluções, e de análises mais precisas e sofisticadas;
- E, finalmente, a adoção de inteligência artificial (AI, na sigla em inglês) e machine learning: para criar dados prospectivos por meio de reconhecimento de padrões, em vez de apenas dados históricos.
A tesouraria do futuro será um hub analítico e tecnológico que fornecerá inteligência de negócios de ponta a ponta para a diretoria da empresa, unidades de negócios, credores, clientes, fornecedores, acionistas, agências de ratings e reguladores. Por exemplo, o impacto potencial na liquidez ou na cadeia de fornecimento como resultado de um deafult de crédito de um parceiro comercial ou bancário.
A jornada da Tesouraria 4.0 se resume em melhores análises e dados mais perspicazes; trata de relatórios automatizados de inteligência de negócios na forma de painéis dinâmicos; mas também é sobre as pessoas – uma mudança para uma visão mais externa em oposição ao foco interno. Acima de tudo, trata-se da arquitetura de sistemas de tesouraria, construída principalmente em torno dos processos automatizados e da interoperabilidade de sistemas.
Se sua adoção for bem-sucedida,
- Tesoureiros farão mais com menos. Haverá uma melhoria significativa em sua eficiência de custos.
- Processos de rotina serão simplificados, o que possibilita melhor prevenção de erros e evita a dependência excessiva do Excel, que tem uma estrutura de controle e auditoria deficientes.
- As responsabilidades diárias dos membros da equipe de tesouraria irão se deslocar para atividades de maior valor.
- E as entregas da tesouraria serão muito mais focadas na análise preditiva, o que melhorará a tomada de decisões, não apenas do grupo, mas da organização como um todo.
Eleanor Hill, da TMI – publicação online focada em assuntos de tesouraria – resume com bastante elegância:
“As funções de tesouraria da próxima geração funcionarão em tempo real, com sistemas automatizados e altamente integrados. Eles [tesoureiros] explorarão ferramentas inteligentes que podem aprender a executar, de forma cada vez melhor, tarefas de tesouraria. Os dados impulsionarão a tomada de decisões voltadas para o futuro, substituindo os riscos de se utilizar apenas o ‘espelho retrovisor’, e as equipes de tesouraria terão a oportunidade de trocar o trabalho braçal pelo pensamento estratégico, agregando valor ao negócio”.