Com os países ao redor do mundo correndo para atingir suas metas de descarbonização, o papel da Ásia no esforço global para combater as mudanças climáticas continua ganhando destaque. Grandes emissores, como China e Japão, são fundamentais para o sucesso do esforço mundial para alcançar a neutralidade de carbono.
Para os investidores, a região se torna uma prioridade máxima para investimentos com temas em energia limpa e estratégias relacionadas à descarbonização. Ortis Fan, analista ESG da Bloomberg Intelligence, comenta sobre os principais mercados de interesse na Ásia-Pacífico e como eles estão se saindo.
P: Quais tendências você está vendo nos investimentos em energia limpa na região da APAC?
No mundo ESG, os fluxos dos fundos de energia limpa negociados em bolsa são um bom indicador dos interesses dos investidores. Em nossa pesquisa, focamos na região Ásia-Pacífico, excluindo o Japão, e aqui vemos que os ETFs de energia limpa provaram ser resilientes em 2023 em termos de fluxo. Nos três primeiros trimestres de 2023, os fluxos de ETFs de energia limpa na região APAC, excluindo o Japão, atingiram US$ 2,7 bilhões — um aumento de 60% comparado ao ano anterior.
Nossa análise também mostra que a energia limpa tem sido o principal tema no último ano. Ela representa 70% dos fluxos de ETFs ESG da região, conforme vemos mais dinheiro sendo investido nos ETFs de energia limpa domiciliados na China. Estas tendências são extremamente positivas.
P: Qual a implicação do apoio dos investidores à gestão climática?
Há muitos elementos dentro do investimento responsável, mas a energia limpa sempre foi uma estratégia popular para os investidores. A China, em especial, tem fortes compromissos com energia renovável e veículos elétricos. Isso tem sido atraente para os investidores, o que se reflete no número crescente de ETFs de energia limpa lançados nos últimos três anos. Esse tipo de ETF representa hoje mais de 70% do patrimônio sob gestão em ETFs ESG no mercado chinês.
A Coreia do Sul e Taiwan também têm muitos ETFs de energia limpa; eles são respectivamente a segunda e terceira maiores jurisdições em termos de ativos sob gestão (AUM) na região APAC (excluindo o Japão), ficando atrás apenas da China.
No geral, isso reflete um sentimento de mercado positivo na região. Os investidores parecem estar usando os ETFs de energia limpa como ferramentas ou plataformas para impulsionar investimentos em descarbonização e áreas relacionadas. No futuro, com o interesse contínuo dos investidores e mais clareza sobre a evolução da política regulatória, esperamos que os ETFs de energia limpa mantenham uma taxa saudável de crescimento na APAC.
P: Quais são os desafios para a governança climática na Ásia?
Quando olhamos para os interesses dos investidores, também observamos a governança climática e a região tem alguns desafios. O engajamento dos investidores na Ásia geralmente é conduzido a portas fechadas, entre os acionistas e a gestão corporativa. Propostas climáticas não são comuns nas assembleias gerais, especialmente entre as empresas chinesas. Isso pode ser devido à estrutura acionária mais concentrada das empresas asiáticas, muitas delas são empresas familiares ou estatais. Consequentemente, vemos que as propostas dos acionistas geralmente têm uma taxa de sucesso baixa, especialmente aquelas relacionadas ao clima.
Com a continuidade das tensões geopolíticas, o engajamento dos investidores foi impactado, especialmente quando se trata de empresas estatais chinesas sancionadas pelos EUA. Grandes nomes, como a Semiconductor Manufacturing International Corporation, foram sancionados à medida que as relações entre os dois países azedaram. Este é um desafio,
dado que muitos dos grandes emissores da China são empresas estatais, incluindo os setores de cimento, carvão e petróleo. Eles são os protagonistas no progresso mundial da neutralidade de carbono, contribuindo com um terço das emissões globais.
O engajamento climático dos investidores por meio de propostas em assembleia também pode levar muito mais tempo se desenvolver, porque a maioria das estatais chinesas é governada por um sistema político hierárquico “de cima para baixo” e pode ser menos motivada pelos interesses dos investidores. Isso vai afetar toda a governança climática na Ásia.
P: Quais são os principais mercados para ficar de olho na região em relação à transição energética?
Se olharmos para a Ásia, temos alguns mercados especialmente importantes. O número um é a China, que tem muitos poluidores pesados, mas também um grande valor de mercado. Isso significa que os investidores vão sempre olhar para o que está acontecendo na China primeiro.
No entanto, o número dois é o Japão. O país tem sido especialmente importante no último ano, já que tomou muitas ações políticas relacionadas à sustentabilidade e descarbonização. A transição energética é uma prioridade para o primeiro-
ministro Fumio Kishida, que tem iniciativas para apoiar a transição verde, já que o Japão pretende direcionar os setores nacionais para a inovação.
O plano verde do Japão para 2030 inclui uma meta de reduzir as emissões em 46% comparado a 2014, e uma mobilização de US$ 1 trilhão para combater as mudanças climáticas. Isto inclui mais de US$ 130 bilhões em títulos verdes e US$ 65 bilhões para startups verdes. Além disso, sete fundos de pensão que gerenciam US$ 600 bilhões em ativos vão participar dos Princípios para o Investimento Responsável para promover o investimento ESG.
Mesmo com essas iniciativas, o Japão ainda tem uma transição energética desafiadora pela frente. A indústria automobilística, por exemplo, permanece muito ligada à tecnologia tradicional. Esse é um setor gigante no Japão, representando 10% do valor de mercado total do país e empregando quase 10% da sua força de trabalho. É um grande setor para se descarbonizar.
P: Como o plano verde do Japão vai enfrentar esses desafios, e ele será bem-sucedido?
Os dois principais setores que ele deve abordar são os setores de transporte (incluindo automóvel) e energia. Cerca de 60% das emissões de gases do efeito estufa no Japão vêm desses setores. O país está buscando uma mudança de 100% nas vendas para veículos elétricos e uma participação de quase 40% de energias renováveis no mix de geração elétrica (que hoje depende 70% de combustíveis fósseis). O orçamento do Japão para o período de 2024-25 busca US$ 8 bilhões em estímulo verde para apoiar os dois setores, reforçando sua política de transformação ambiental.
No entanto, ainda há alguns desafios. O Japão reduziu as emissões de gases do efeito estufa em 20% entre 2014 e 2022, mas ele continua no início da sua transição verde. A capacidade de energia renovável aumentou 80% em relação a 2014, mas os combustíveis fósseis ainda dominam o mix de geração de energia elétrica. Embora os veículos elétricos sejam responsáveis pela maioria das vendas de carros novos, o crescimento pode desacelerar devido ao preço alto e à infraestrutura de carregamento limitada.
Eu diria que o plano verde do Japão para 2030 é ambicioso, mas necessário, dado que os setores de automóveis e energia no país têm uma exposição enorme aos combustíveis fósseis. Por conta desses movimentos e do cenário econômico mais amplo na região, o Japão é um foco importante para os investidores neste ano.