Por Felipe Saturnino.
O atual ambiente de depressão econômica, a ausência de risco inflacionário e a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno criam uma situação propícia para que a Selic caia a 5% até o final do ano, diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central entre 1983 e 1985. Ele acredita que o alívio monetário deve começar já a partir da próxima reunião do Copom, em 31 de julho, com dois cortes seguidos de 0,50 ponto porcentual, num ciclo que pode totalizar 1,5 pp.
“Com crescimento abaixo do potencial e a inflação abaixo da meta, o manual de operação que todo presidente do BC tem de ter na mão diz o seguinte: corte os juros”, afirma Pastore, em entrevista no escritório da Bloomberg, em São Paulo.
Ele estima que a economia brasileira está atualmente no mais profundo ciclo de contração de sua história, dado que a renda per capita do país encolheu 9% desde o segundo trimestre de 2014. Serão necessários de 10 a 12 anos com crescimento anual entre 2% e 2,5% para retornar ao patamar da renda per capita de 5 anos atrás.
O PIB potencial do país hoje, no entanto, é de apenas 1% – e a economia deve crescer menos do que isso neste ano, 0,7%, e 1,7% em 2020, projeta.
Mesmo que algo inesperado e improvável aconteça com a reforma da Previdência, que ainda precisa de aprovação em segundo turno na Câmara e em dois turnos no Senado, um eventual efeito negativo sobre o dólar não afetaria a inflação, já que o pass-through do câmbio é próximo de zero em razão do elevado grau de ociosidade.
“O risco à política monetária que cientificamente e tecnicamente deve ser feita em um momento como este é muito baixo ou nulo.”
Curva sem precedentes
Outra peculiaridade atual é a descompressão das taxas dos contratos futuros de juros ao longo de toda a curva, em magnitude jamais vista no mercado brasileiro, diz Pastore.
É um movimento que acontece ao redor do globo, e não se justifica apenas pela fraqueza econômica interna. O mundo vive um momento de juros muito baixos, em razão da transição demográfica provocada pelo envelhecimento da população, o que eleva a taxa de poupança.
A taxa de juro neutra brasileira, por exemplo, está convergindo para 3,5%, calcula o economista, exatamente para onde aponta a NTN-B.
Pastore espera que a economia mundial desacelere, mas não vê os Estados Unidos em recessão, embora o ritmo de expansão do país esteja mais lento do que antes, o que justifica um ciclo curto de alívio por parte do Federal Reserve.
Governo e reformas
A retomada econômica brasileira depende de uma “agenda mais profunda”, porque a reforma da Previdência não é uma bala de prata, de acordo com o economista.
“Com as reformas, o PIB potencial pode ser de 2,5% a 3% lá na frente, mas só quando tudo estiver feito”, diz, ao elencar iniciativas como abertura comercial, privatizações e reforma tributária.
Ele defende o projeto de simplificação de impostos de autoria de Bernard Appy, atualmente em tramitação na Câmara, ao invés da proposta a ser encaminhada pelo governo – que deve incluir um imposto sobre pagamentos.
A condução política de Jair Bolsonaro também influencia negativamente a economia e a confiança, já que o foco do governo deveria estar voltado para o andamento das reformas.
“Podia ser mais depressa”, diz. “O governo, para fazer política no Congresso, tem que dividir o poder, mas, no fundo, ele não quer fazer isso. O Legislativo assumiu um protagonismo, felizmente, e foi bonito.”