Por Mac Margolis.
Ainda é muito cedo para saber exatamente o que a presidência de Donald Trump significará para os vizinhos e parceiros comerciais dos EUA. Mas, com toda essa conversa sobre construção de muro, deportação e fim de acordos comerciais, famílias na América Latina com parentes ao norte não estão esperando para averiguar.
A quantidade de dólares remetidas por migrantes ao país natal na América Central, na América do Sul e no Caribe aumentou no fim do ano passado antes da eleição de Trump e disparou depois. No México, as remessas de valores em dólar subiram 25 por cento em novembro em relação ao ano anterior — um pico de dez anos —, depois mais 6 por cento em dezembro e chegaram a US$ 2.055 bilhões em janeiro, um recorde mensal. Dados compilados pela Bloomberg revelaram que as remessas registraram picos semelhantes a partir de outubro na Guatemala (que subiram o recorde de 22 por cento no ano até fevereiro), na Nicarágua (12 por cento), na Colômbia (9,8 por cento) e no Equador (8,1 por cento).
Sem dúvida, parte disso não passa de economia básica. A recuperação do mercado de trabalho dos EUA possibilitou que migrantes que recebem em dólar mandem algum dinheiro extra para seu país natal. Considere que dois terços dos migrantes mexicanos fizeram remessas de dólares no ano passado, em contraste com 50 por cento em 2015. Muitos trabalhadores estrangeiros, no entanto, podem estar agindo de forma preventiva, transferindo fundos o mais rápido possível antes que Trump, que defendeu a cobrança de um imposto sobre as remessas de valores para financiar o muro na fronteira, possa confiscar o dinheiro enviado, ou pior, submeter quem está ilegalmente nos EUA à deportação massiva.
Consequências horríveis desse tipo podem acontecer ou não. Mas, independentemente disso, a onda de remessas também ressalta um desafio maior para a América Latina: como usar as remessas para estimular o desenvolvimento e aumentar a produtividade interna. Será que sociedades mais conhecidas (pelo menos nos EUA) por exportar migrantes ilegais conseguirão inverter a narrativa e aproveitar fontes possivelmente efêmeras de moeda forte duramente ganhada para manter em casa seus profissionais e sua energia?
Afinal, para muitos dos países mais incivilizados do hemisfério, as remessas são a galinha dos ovos de ouro: o México agora obtém mais dólares com trabalhadores expatriados que com exportações de petróleo. Os US$ 17 bilhões em dólares de migrantes que a América Central embolsou em 2015 equivaleram a quase 50 por cento da renda para cerca de 3,5 milhões de famílias, de acordo com Manuel Orozco, membro sênior do programa sobre migração, remessas e desenvolvimento da Inter-American Dialogue. Juntas, essas famílias detiveram ao todo US$ 3 bilhões em poupanças naquele ano. “Isso é ótimo para as famílias que recebem o dinheiro e para os governos”, disse Alberto Ramos, analista de mercados em desenvolvimento do Goldman Sachs. “É dinheiro que chega às famílias de baixa renda, aumenta a conta-corrente nacional e, se for administrado adequadamente, pode ser aproveitado internamente.”
É exatamente isso que o ministro das Finanças da Guatemala, Julio Héctor Estrada, tinha em mente no começo do mês quando propôs vender internamente papéis denominados em dólar para absorver parte dos US$ 7,1 bilhões, um recorde, que os migrantes guatemaltecos mandaram para casa no ano passado. Autoridades do governo esperam convencer os receptores a não converter toda essa moeda forte a quetzais, porque receiam que isso poderia estimular a inflação, e canalizar parte dessa riqueza a projetos de desenvolvimento.
Outro desafio afim: estima-se que apenas 30 por cento dos latino-americanos tenham contas bancárias, e a região fica atrás de todos os outros mercados emergentes em relação ao que os entendidos chamam de inclusão financeira familiar. Então, mesmo que cerca de dois terços das famílias centro-americanas consigam economizar dinheiro, a maioria guarda-o informalmente “debaixo do colchão”, o que gera retornos baixos e é mal organizado. “O desafio é aumentar a geração de riqueza na América Latina, e isso significa investir em capital humano e na economia do saber”, disse Orozco.
Primeiro, no entanto, a região deverá repensar a estratégia de desenvolvimento. Considere a Aliança para a Prosperidade, um programa de US$ 750 milhões, financiado pelos EUA, que busca deter a imigração de Guatemala, Honduras e El Salvador em parte através de investimentos em agricultura, turismo e fabricação de produtos baratos. Embora iniciativas desse tipo sejam bem-vindas, elas ignoram um dos principais motores da migração: o definhamento de oportunidades. Grande parte dos quase 200.000 centro-americanos que tentam sair da América Central a cada ano não são desamparados, são de classe média baixa. Essas pessoas buscam empregos melhores, não querem trabalhar no campo nem em uma linha de montagem de uma empresa maquiladora.
Uma educação melhor daria um impulso aos que buscam emprego, mas boa sorte com isso nas escolas locais. Por exemplo, embora quase todos os países da região tenham alcançado uma taxa universal de matrícula na escola primária, é crucial conservar os estudantes no colégio e melhorar a qualidade da educação. Um estudo mostrou que em 2013 apenas 7 por cento dos trabalhadores guatemaltecos tinham concluído 13 anos de escolaridade, o tempo mínimo em sala de aula, segundo especialistas, para conseguir escapar da pobreza. Não é de estranhar que por cada dois trabalhadores que entram na força de trabalho da região por ano, um centro-americano se dirige à fronteira.
É sobre isso que os especialistas e o setor privado precisam se debruçar. Os pesquisadores já sabem que as famílias que recebem dólares do exterior estão dispostas a economizar e também são mais propensas que as outras a investir em educação esse dinheiro extra. As autoridades locais precisam garantir que esse investimento valha a pena, e as instituições financeiras podem ajudar as famílias a formalizar suas economias.
El Salvador oferece alguma esperança. Com apenas 20 minutos de aconselhamento cara a cara, assessores financeiros convenceram clientes espontâneos em uma cooperativa de crédito local a abrir uma caderneta de poupança; 15 por cento deles fizeram isso no ato. Orozco calcula que uma campanha nacional que chegue a apenas 30 por cento das famílias que recebem remessas de valores poderia convencer 200.000 delas a tirar suas economias da gaveta de meias e levá-las ao banco, totalizando US$ 100 milhões em depósitos.
As remessas de valores não conseguirão resolver a falência da educação nem poderão impedir que cartéis criminosos recrutem jovens em idade escolar prometendo o dinheiro da droga ou a glória da vida bandida. Mas empregá-las em um desenvolvimento mais inteligente poderia ajudar latino-americanos ambiciosos a permanecer em seu país natal e poupá-los de viagens arriscadas a terras desconhecidas que estão cada vez menos receptivas.
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