Por Mac Margolis.
Na quinta-feira, o procurador-geral da República do Brasil, Rodrigo Janot, acusou formalmente Eduardo Cunha, o parlamentar de mais alto escalão do país, de comandar uma miscelânea de delitos graves, incluindo a extorsão de fornecedores da Petrobras, a empresa nacional do petróleo envolvida em um escândalo, em cerca de US$ 5 milhões, e a lavagem de dinheiro das propinas por meio de mais de 100 operações financeiras realizadas em lugares como Montevidéu e Mônaco.
Estendendo-se por 85 páginas e decorada com um aforismo de Mahatma Gandhi, a acusação parece as notas de produção do roteiro de um filme noir.
Minha cena favorita: R$ 250.000 (cerca de US$ 71.000) do butim foram despejados na casa de culto preferida de Cunha, a Assembleia de Deus.
Como esperado, a acusação de Janot fascinou Brasília, onde a presidente Dilma Rousseff tem visto a economia nacional e seu índice de aprovação afundarem a níveis recorde e não pode sequer contar com o apoio de seus principais aliados para as reformas de emergência.
Desde que Cunha ganhou o direito ao principal microfone do Congresso, vencendo o candidato de Dilma para o cargo, o parlamentar do Rio de Janeiro dedicou seu mandato a tornar a vida dela horrível, atrasando iniciativas para aumentar as receitas e plantando algumas “bombas fiscais” no Congresso, que engordariam os salários dos constituintes à custa do aumento do déficit público.
Como se diz “schadenfreude” (prazer pelo infortúnio alheio) em português? Após semanas de intensificação do discurso e manifestações de rua pedindo o impeachment da presidente, de repente é o arqui-inimigo de Dilma que parece estar à beira do abismo.
Mas dê uma segurada nas vuvuzelas. Embora talvez seja prejudicado pelo escândalo, dificilmente Cunha será carta fora do baralho. Mesmo se o Supremo Tribunal Federal aceitar a acusação de Janot e enviar Cunha a julgamento, ele não tem a obrigação de se afastar. Para removê-lo, seria necessária a metade mais um voto dos 513 membros da Câmara dos Deputados do Brasil, um ecossistema onde Cunha se sente em casa.
Pela hiperdemocrática organização política do Brasil — um presidente quase imperial, freado por uma legislatura vitaminada –, o presidente da Câmara goza de um poder invejável. Cunha, o segundo na linha de sucessão presidencial, controla a agenda e o orçamento do legislativo e pode nomear e retirar chefes de subcomissões quando quiser. Uma medida influenciada por Cunha foi a carta de apoio que ele recebeu na quinta-feira de deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o maior do Brasil, legenda que, apesar da animosidade de Cunha em relação à presidente, é aliado dela.
Até recentemente, a estratégia de Cunha vinha sendo a de usar sua influência para forçar concessões a comparsas e aliados de um governo debilitado pela crise. Agora, a sobrevivência supera o apetite político: procure Cunha para tentar infligir dor em Dilma fazendo lobby por ainda mais bombas fiscais, obstruindo medidas de austeridade importantes ou até mesmo colocando no plenário uma das muitas propostas de impeachment que estão circulando pelo Congresso.
É claro que qualquer medida de Cunha pelo impeachment de Dilma agora corre o risco de ser encarada pelo que é: a pura tentativa de um rival desesperado de evitar uma queda — ou pelo menos de cair atirando.
O momento é crucial. Dez ou mais itens-chave da agenda de Dilma para reduzir os gastos do governo, elevar os impostos e racionalizar a gigantesca burocracia — e assim evitar que a classificação de crédito do Brasil seja reduzida ao grau especulativo — ainda dependem da aprovação do Congresso, disse a Eurasia Group em uma nota a clientes, na sexta-feira.
Dilma provavelmente seja capaz de reunir os votos para impedir seu impeachment e conta com o apoio de seus novos melhores amigos do Senado, onde o membro do PMDB Renan Calheiros — ex-aliado de Cunha que virou seu rival — é o presidente.
Contudo, o próprio Calheiros está sendo investigado por supostamente ter aceitado propinas no escândalo da Petrobras. Se Janot decidir atacá-lo também — e uma massa crítica entre as mais de quatro dezenas de outros políticos sob investigação — com indiciamentos, essa aliança pode desmoronar, somando outra reviravolta tóxica àquele que já se transformou no escândalo mais instigante e enervante do Brasil.
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