Por Laura Millan Lombrana.
A Tesla Motors e a marca Chevrolet, da General Motors, se preparam para lançar carros elétricos populares no ano que vem. Se você planeja comprar um para ajudar a salvar o planeta, as pessoas que vivem perto das salinas do Atacama pedem que você pense antes nos flamingos.
Os veículos serão alimentados por baterias recarregáveis que contêm lítio, um metal branco-prateado encontrado em depósitos de água salgada sob o deserto mais seco do mundo, no norte do Chile. O Salar do Atacama, de 3.000 quilômetros quadrados, é conhecido também por seus flamingos selvagens, que se alimentam e se reproduzem em suas lagoas. Alguns habitantes locais dizem que as mineradoras que sugam a água da terra para extrair o lítio estão matando esses pássaros de pernas longas de fome com o processo.
“Elas estão bombeando uma quantidade absurda de água”, diz o bioquímico Rolando Humire Coca, presidente da Sociedade Naturalista San Pedro de Atacama e membro do Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile. “Se eles continuarem usando os mesmos métodos para a extração de água, as consequências serão desastrosas. Todas as formas de vida serão destruídas”.
Imagens de satélite indicam que algumas lagoas e prados da salina estão encolhendo ou secando, enquanto a Corporación Nacional Forestal (Conaf) registrou uma queda na população de flamingos. Uma comissão parlamentar criada neste ano para analisar o esgotamento dos recursos aquíferos por todo o país ainda não encontrou nenhuma ligação com as produtoras de lítio, deixando a comunidade local sozinha em sua tentativa de chamar a atenção para o destino dos flamingos.
Trabalho pesado
O que não se discute é que as mineradoras trabalham pesado. Uma delas, a Sociedad Química & Minera de Chile, está bombeando 1.500 litros de água salgada por segundo dessa paisagem árida; outra, a Rockwood Holdings, de propriedade da Albemarle Corp., extrai até 142 litros por segundo e se prepara para ampliar as operações para 442 litros por segundo.
Não se sabe se as duas empresas estão abastecendo a Tesla ou a Chevrolet. As mineradoras não quiseram identificar seus clientes e as fabricantes de veículos preferiram não comentar o assunto. A SQM informou apenas que vende para as “maiores produtoras de baterias” e de outros produtos.
A Rockwood e a SQM dizem que, entre as duas empresas, monitoram pelo menos nove lagoas no Salar do Atacama ou em seu entorno e que não houve declínio consistente dos níveis de água. Números da Conaf não mostram uma tendência clara nos níveis de cinco lagos e exibem um declínio moderado em um sexto.
As duas empresas possuem mais de 300 estações de medição espalhadas pela área que registram os níveis de água, de conteúdo de sal, de flora e de fauna, e ambas dizem que seus sistemas de alerta antecipado não foram ativados. A SQM disse que suas operações “não afetaram direta ou indiretamente nenhum aspecto da população de flamingos”.
Os depósitos de lítio são formados a partir da filtragem de água da Cordilheira dos Andes durante milhares de anos em vales sem saída. As mineradoras decantam a água salgada em piscinas, nas quais o líquido evapora ao longo de 18 meses, deixando os minerais para extração.
“As salinas são como um complexo sistema de tubulações; se você tira a água de um lado, isso afetará o outro”, diz Humire Coca. “Há 15 anos eu costumava nadar rodeado por flamingos na lagoa Cejar. Hoje é preciso ter sorte para avistar algum por lá”.
O número médio de flamingos nas salinas do Atacama no período de cinco anos até 2014 caiu 28 por cento em relação ao período entre 1995 e 1999, segundo a Conaf. Das três espécies que frequentam a área, o andino está classificado como “vulnerável”, enquanto o chileno e o james estão “quase ameaçados”. A quantidade menor de chuvas e a atividade humana e de mineração estão reduzindo a quantidade de água nas salinas, diz o porta-voz da Conaf, Nelson Amado. Mas a agência não tem evidências de que a atividade de mineração esteja afetando a população de flamingos.
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