Por Mac Margolis.
O Brasil anda mal. A economia, já em uma recessão profunda, talvez esteja caindo em uma completa depressão, de acordo com o Goldman Sachs. O déficit público e a inflação estão aumentando e as disputas no Congresso estão levando o país à insolvência. Seria de esperar que os líderes políticos parassem de brigar e se unissem em prol do interesse nacional.
Mas os brasileiros não têm tanta sorte.
O que a presidente Dilma Rousseff fez foi convocar seus assessores mais próximos para uma reunião não programada em Brasília na quarta-feira, mas o interesse nacional não estava na agenda: naquela tarde, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ex-aliado do governo que agora enfrenta acusações de corrupção no escândalo da Petrobras, tinha anunciado que iria iniciar os procedimentos de impeachment contra Dilma.
Com o cargo e o que resta de sua reputação em risco, Dilma imediatamente se reuniu com seu gabinete no Palácio do Planalto, com assessores e autores de discurso a tiracolo. “Não possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais”, declarou ela em uma transmissão nacional.
Esse é o estado sombrio da situação desse país emergente da América Latina, onde cada nova emergência supera a anterior e governar é uma luta implacável entre uma presidente prejudicada e um deputado pronto para o combate.
A briga de Cunha e Dilma contradiz o discurso oficial de que as desgraças do Brasil são consequência do mercado mundial baixista e do excedente de matérias-primas. As dificuldades da economia de US$ 2,2 trilhões, em grande parte autoprovocadas, são consequência de uma democracia semi-funcional em que as instituições muitas vezes servem como instrumento para ambições partidárias. Deve haver uma razão para o fato de que 26 por cento dos deputados federais e quase 40 por cento dos senadores estejam atualmente respondendo a acusações criminais ou sendo investigados.
Pense nas mais recentes contorções em Brasília. Embora Cunha e Dilma nunca tenham sido almas gêmeas, eles chegaram a um incômodo pacto de conveniência: Dilma protegeria Cunha das audiências do comitê de ética no Congresso em troca do compromisso do deputado de barrar movimentos de impeachment contra ela.
Aí veio o motim. Preocupado, quem sabe, com as consequências de defender um líder político suspeito, o PT se rebelou e anunciou no fim da quarta-feira que daria apoio a uma proposta apresentada ao comitê de ética para investigar formalmente Cunha por supostamente ter aceito US$ 5 milhões em propinas em contratos de fornecimento da Petrobras.
Dando uma guinada ainda mais confusa à situação, os boatos em Brasília dizem que a ordem de abandonar Cunha foi dada nada menos que pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mentor de Dilma e um mito da política. Dizem que ele quer limpar a imagem do PT, manchada pela corrupção, para tentar uma nova candidatura à presidência em 2018.
Cunha reagiu imediatamente e, na quinta-feira, apresentou à Câmara a moção de impeachment de 200 páginas.
Dilma não está à beira do precipício. Sim, as acusações contra ela – violar a Lei de Responsabilidade Fiscal adulterando os registros do governo – são graves. Mas o impeachment é uma guerra política (“a bomba atômica”, nas palavras do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) que promete causar meses de problemas partidários em um Congresso que já é turbulento. Para expulsar Dilma, seus inimigos precisam dos votos de dois terços da Câmara, onde influências e privilégios são capazes de comprar indulgência, inclusive para um líder debilitado. O fato de que Cunha, que faz política como quem joga pôquer, estivesse disposto a apostar desse modo indica que ele foi mais motivado pelo desespero do que pela força. Faz-se notar que os aliados de Dilma estejam pressionando para acelerar a votação do impeachment, confiantes de que Cunha apostou mais do que podia. Por via das dúvidas, eles também pediram que o Supremo Tribunal Federal rejeite a proposta de impeachment.
Isso não significa que os problemas de Dilma tenham acabado. Com a popularidade se arrastando pelo chão e enfrentando rebelião dentro de seu próprio partido, ela precisa convencer um Congresso que está acostumado com a fartura a impor a austeridade a fim de salvar a economia brasileira do naufrágio.
Mas talvez o mais difícil seja convencer os brasileiros de que ela continua no comando.
Em seu pronunciamento na noite de quarta-feira, Dilma se empenhou ao máximo para refutar Cunha e demonstrar força diante das adversidades. E qual foi o argumento dela? Que o Congresso tinha acabado de aprovar um plano que ignora os limites constitucionais de gastos a fim de evitar a paralisação do governo – uma medida que deixará as contas fiscais de 2015 do Brasil com um rombo de US$ 31 bilhões.
Essa é uma forma de fechar as contas de um ano horrível. Mas exibir desregramento como vitória talvez não funcione nas ruas do Brasil, onde novos protestos já estão surgindo.
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