Por Raymond Colitt, André Soliani e Arnaldo Galvão, com a colaboração de Ney Hayashi e Paula Sambo
Quando um banqueiro de fama internacional e o líder do governo no Senado foram presos na semana passada no âmbito do maior escândalo de corrupção da história do Brasil, o foco do mercado foi dirigido naturalmente ao jovem magnata André Esteves do banco BTG Pactual.
Contudo, para os observadores mais experientes, foi a prisão de Delcídio Amaral o que mais preocupou um país que busca desesperadamente conter as crescentes crises econômica e política. A prisão do líder do governo no Senado não apenas atrasou os esforços do governo para mudar a meta fiscal de 2015, mas também derrubou a ideia segundo a qual parlamentares em pleno mandato são intocáveis.
Embora possa ser vista como positiva em meio ao escândalo — sinal de intolerância à corrupção de parlamentar –, a prisão também aumenta as dúvidas sobre o desfecho da crise política: quem será o próximo a cair e onde tudo isso terminará? Com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado sob investigação, levanta-se a possibilidade de o sistema político do Brasil se desfazer antes mesmo de aprovar cortes de gastos e aumentos de tributos necessários para restaurar a confiança do investidor e evitar nova onda de rebaixamentos na classificação de crédito do Brasil.
“A ideia de que os líderes políticos têm um plano para tirar o país dessa crise morreu porque o próprio futuro deles está em jogo”, disse Gabriel Petrus, analista político da consultoria empresarial Barral M Jorge, de Brasília. “Nunca antes na história tivemos tão pouca certeza sobre o amanhã”.
Propinas
Embora a investigação do esquema de propinas que envolveu as maiores construtoras do Brasil e a Petrobras já tenha levado ex-políticos à prisão, Amaral foi o primeiro parlamentar preso em pleno mandato desde o retorno do Brasil à democracia, nos anos 1980. A legislação brasileira proíbe que políticos sejam investigados ou presos sem a aprovação do Supremo Tribunal Federal. Amaral, a exemplo de Esteves, negou qualquer irregularidade.
Quando surgiu a notícia das prisões de Amaral e Esteves, na manhã de 25 de novembro, a suspeita era a de que eles tentaram atrapalhar as investigações e interferir no depoimento de Nestor Cerveró, executivo da Petrobras que está preso pela Operação Lava Jato. Em horas, as ações do BTG Pactual, de Esteves, maior banco independente de investimento da América Latina, haviam caído 39 por cento e a imagem dele era exibida em transmissões de TV em todo o mundo. A ação se recuperou um pouco e agora está em baixa de 26 por cento desde que ele foi detido. Esteves deixou os cargos de CEO e de presidente do conselho do BTG na noite de domingo depois que o STF decidiu que ele seria mantido na prisão por tempo indeterminado.
O envolvimento do bilionário Esteves, de 47 anos, apontado como um dos banqueiros mais talentosos do Brasil, levanta pela primeira vez a “séria perspectiva de contágio financeiro”, disse a empresa de consultoria política Eurasia Group. Os clientes do BTG retiraram R$ 4,2 bilhões (US$ 1,1 bilhão) de alguns dos fundos de renda fixa mais líquidos do banco nos dias 25 e 26 de novembro, mostram dados no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Queda livre do Brasil
Mas o líder do governo no Senado tinha papel central nas articulações políticas para ajudar o Brasil a interromper sua queda livre. Preso a um ciclo de recessão e queda das receitas tributárias, o governo está lidando com um déficit orçamentário que subiu para mais de 9 por cento do produto interno bruto, o maior em pelo menos duas décadas. O real, enquanto isso, apresenta o pior desempenho entre as principais moedas do mundo neste ano. O Brasil não emite dívidas em dólares há quase 15 meses e os custos dos empréstimos subiram. Os yields dos bonds de referência de 10 anos do governo subiram para 6,05 por cento, contra 3,8 por cento em setembro de 2014, quando foi realizada a venda da última dívida em dólar.
Amaral, um ex-executivo da Petrobras conhecido como pragmático, direto ao falar e hábil para as negociações entre as linhas partidárias, desempenhou um papel crucial em algumas das vitórias políticas mais importantes da presidente Dilma Rousseff neste ano. É esse papel que está no centro das preocupações dos investidores: sem herdeiro aparente para assumir como líder do governo no Senado, reduziram-se as chances de aprovar novas medidas fiscais.
‘Ninguém está escutando’
“Todos no Congresso atualmente estão preocupados em se salvar e em não acabar como Delcídio em vez de se concentrarem em qualquer medida econômica que o governo queira aprovar”, disse Fausto Gouveia, gestor de recursos em São Paulo que ajuda a gerenciar R$ 850 milhões em ativos na AZ Legan. Isso deixa o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a principal figura por trás do esforço de austeridade do Brasil, “cada vez mais isolado. Ele agora é o único que está falando em medidas fiscais, mas ninguém está escutando”.
A votação de uma nova meta fiscal que permitiria que o governo encerrasse 2015 com déficit primário de quase R$ 120 bilhões foi adiada para terça-feira, 1º de dezembro. Se o Congresso não aprovar a medida, o governo vai violar as normas orçamentárias, o que pode provocar nova onda de pedidos de impeachment contra Dilma.
Mais de um quarto dos deputados federais enfrentam processos criminais ou investigações no STF, segundo o Congresso em Foco, uma publicação on-line especializada em notícias legislativas. Entre os políticos investigados pelo Ministério Público por supostamente terem recebido propinas relacionadas aos contratos da Petrobras estão os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros. Cunha tem o poder de determinar o início do processo de impeachment contra Dilma. Cunha e Calheiros negaram irregularidades.
Ronaldo Caiado, líder do Democratas no Senado, definiu, na semana passada, a sensação em Brasília após a prisão de Amaral. A liderança política do país se tornou tão desacreditada, disse ele, que “deveríamos todos simplesmente ter a coragem de renunciar e convocar novas eleições”.
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