Por Shira Ovide para Bloomberg Gadfly.
Meus pensamentos tendem a ir a lugares sombrios hoje em dia. E então, quando vi, na quarta-feira, o Google lançar uma série de dispositivos de computação próprios para cada tarefa e cada recanto de nossas casas, parti direto para a distopia: adeus concorrência digital.
Atualmente, a maioria das pessoas tem contato com a computação por meio de dispositivos controlados por poucas empresas: principalmente Microsoft e Apple para computadores tradicionais e Google e Apple (e cada vez mais empresas chinesas com versões personalizadas do Android, do Google) para smartphones. Não hesite em adicionar a Amazon.com, também, no segmento de tablets e aparelhos de TV.
As empresas donas do software que serve de base para esses dispositivos se beneficiaram com a proliferação de PCs, smartphones e outros equipamentos conectados à internet, assim como muitas outras. Facebook, Amazon, Netflix, Uber, a chinesa WeChat e muitas outras firmas conseguiram prosperar, mesmo com outras companhias sendo donas dos portões usados pelas pessoas para chegar a esses websites na internet. O mundo conectado à internet tem se mantido mais ou menos aberto aos negócios para todos.
Mas não tenho tanta certeza de que continuará sendo assim. A Amazon, a Alphabet, empresa controladora do Google, e outras querem estabelecer um futuro com computadores em todos os lugares, sem telas e talvez controlados basicamente por voz. É fácil imaginar que essa forma de computação entregará um poder desproporcional aos proprietários dos portões digitais. As empresas donas do sistema operacional controlarão o futuro.
Claro, você poderá ordenar que o alto-falante conectado à internet Google Home ou o assistente de voz Siri, da Apple, “envie uma mensagem à minha mãe com o Facebook Messenger” ou “toque Imagine Dragons no Spotify”, mas há grandes chances de muita gente simplesmente usar a opção padrão do Google ou da Apple, seja ela qual for. As pessoas podem pedir um Uber pelos alto-falantes da Amazon, mas para isso elas precisam saber do Uber. Como um futuro Uber ou Netflix será descoberto se as pessoas perderem o hábito de procurar ou de ir a uma loja de aplicativos para encontrar novos itens?
É verdade que muitas superpotências da tecnologia da atualidade chegaram lá porque controlavam sistemas operacionais. O fato de a Microsoft dominar o software que serve de cérebro para quase todos os computadores pessoais deu à empresa uma base para construir uma das empresas dominantes do mundo. A capacidade da Apple de reimaginar um supercomputador de bolso ligado ao seu sistema operacional a transformou na empresa mais valiosa do mundo. Pode-se discutir o quanto o Google se beneficiou diretamente por controlar o Android, mas pelo menos o domínio das buscas na internet pelo Google foi ajudado pela posição do Android como base para mais de 85 por cento dos smartphones do mundo.
Mas também é verdade que as proprietárias dos sistemas operacionais dominantes não levaram todos os louros. Os programas feitos para Windows e depois a internet deram utilidade aos computadores pessoais. Mais tarde, os aplicativos feitos por outras empresas além da Apple e do Google deram utilidade aos smartphones. Um iPhone não é tão útil sem o Google Maps, o Snapchat, o Pandora e um navegador aberto à internet.
Mas um alto-falante Google Home ou um exército de pontos de acesso Amazon em casa podem ser mundos independentes. Está ficando cada vez mais difícil imaginar que esse modelo emergente de computação produzirá plataformas neutras que oferecerão condições de igualdade a todos os que chegarem.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião da Bloomberg LP e de seus proprietários.