O segredo familiar por trás dos US$ 20 bi em compras da JBS

Por Gerson Freitas Jr., Tatiana Freitas e Jeff Wilson.

Quando os magnatas da carne Joesley e Wesley Batista se sentaram com procuradores brasileiros, no mês passado, e contaram a eles tudo o que sabiam sobre o metastático esquema de corrupção no Brasil, eles também apresentaram ao mundo um sujo segredo de família.

A ascensão meteórica da JBS, a potência global do setor frigorífico que parecia ter saído do nada uma década atrás, não teria sido possível sem pagamentos de subornos a um importante ministro, centenas de milhões de dólares em propinas e uma série de acordos favoráveis com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Não saía de jeito nenhum”, afirmou Joesley Batista aos procuradores, segundo os vídeos de seu depoimento, quando questionado como seriam as transações do grupo com o BNDES sem a ação do ex-ministro Guido Mantega.

Desde que um ex-executivo do setor de petróleo virou delator, dando início à Operação Lava Jato, três anos atrás, os brasileiros não tinham assistido a um depoimento tão explosivo que ameaçasse causar tantos danos à economia do país e às suas instituições políticas. A fraude que os irmãos descreveram em pelo menos sete horas de depoimento é tão grave que lançou o Brasil novamente no caos político menos de um ano após o impeachment da última presidente.

Além de entregarem documentos que implicariam mais de 1.800 políticos no esquema, os irmãos também forneceram aos procuradores uma gravação de áudio em que o presidente Michel Temer parece endossar o pagamento de propina de Joesley Batista ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Concorrência injusta?

Os Batista, liderados por Joesley, de 45 anos, e Wesley, ganharam os holofotes internacionais ao gastar mais de US$ 20 bilhões em aquisições ao longo de uma década, transformando o frigorífico da família na maior produtora de carne do mundo. O fato de os irmãos agora estarem prestes a deixar o escândalo da Lava Jato para trás sem enfrentar nenhuma acusação criminal atesta uma habilidade quase sobrenatural para as negociações. Quando os irmãos Batista abordaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no mês passado, oferecendo todas as evidências que haviam coletado em troca de imunidade, ele não teve alternativa a não ser dar a eles o que queriam, afirmou o procurador em um artigo.

As revelações levantam questionamentos sobre concorrência desleal no exterior depois que a empresa engoliu mais de 40 rivais em quatro continentes entre 2007 e 2017. Segundo Joesley Batista, o BNDES teve um papel crucial na expansão da JBS nos EUA. O banco injetou R$ 5,6 bilhões (cerca de US$ 3,2 bilhões, considerando a taxa de câmbio média do período) em capital para a aquisição da Swift & Co. em 2007, para as unidades de produção de carne bovina da Smithfield Foods em 2008 e para a produtora de frango Pilgrim’s Pride em 2009.

Reunião com Mantega

Em seu depoimento, Joesley Batista contou novamente como o esquema de uma década começou com uma fatídica reunião de 2005 com Guido Mantega, que foi presidente do BNDES de 2004 a 2006, antes de assumir o Ministério da Fazenda, de 2006 a 2014. A JBS era então apenas um frigorífico familiar, mas tinha planos muito ambiciosos. Enquanto outros executivos do BNDES presentes à reunião realizada na sede do banco, no Rio de Janeiro, pareciam céticos, Mantega deu “uma sinalização muito positiva”, disse Batista.

O advogado de Mantega não respondeu aos pedidos de comentário enviados por e-mail e telefone. A assessoria de imprensa do BNDES não respondeu às perguntas enviadas. Uma porta-voz da JBS não respondeu a um pedido de comentário.

Com o aval de Mantega, afirma Batista, a JBS começou a procurar oportunidades no exterior. A empresa encontrou uma rapidamente, e em setembro de 2005 apresentou uma oferta de US$ 200 milhões para a compra da Swift Armour na Argentina. O BNDES concordou em emprestar US$ 80 milhões à companhia e os irmãos Batista teriam pago 4 por cento do valor, ou US$ 3,2 milhões, em propina a um conhecido de Mantega, disse Batista.

Batista lembra que, mesmo com a propina, o empréstimo foi caro demais em relação às condições de mercado, mas acabou permitindo à JBS fechar o negócio. “Era o que tinha”, disse ele aos procuradores.

Recursos para campanhas

Os irmãos continuaram pagando propinas ao conhecido de Mantega até 2009, quando teriam começado a negociar diretamente com o então ministro da Fazenda, segundo Batista. Joesley diz que, no total, os Batista pagaram US$ 220 milhões em propinas, sendo que a maior parte do dinheiro foi desviada para campanhas políticas. A JBS e outras companhias que estão sob o guarda-chuva da holding familiar J&F Investimentos foram as maiores doadoras de campanha das eleições de 2014, na qual a presidente Dilma Rousseff conquistou seu segundo mandato, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

Apesar do tratamento favorável, a JBS logo se viu atolada em dívidas. Mais uma vez o BNDES veio ao resgate. Em 2009, o banco adquiriu R$ 3,4 bilhões em debêntures da JBS que poderiam ser convertidas em ações da JBS USA, a unidade americana que a empresa controladora planejava separar em uma oferta pública inicial. Como a JBS não conseguiu executar a venda de ações, o BNDES converteu a dívida em ações da companhia brasileira, mas comprou os papéis com um ágio que gerou R$ 267 milhões em prejuízos para o banco, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). O banco também liberou a JBS da multa de R$ 345 milhões que a empresa estava obrigada por contrato a pagar.

Reprovação

Para muitos observadores de longa data do Brasil, as acusações são chocantes, mas não totalmente surpreendentes. “Em financiamentos públicos, o ideal é contemplar empresas que tenham um bom projeto capaz de gerar desenvolvimento, tecnologia e empregos no País e não consigam captar recursos no setor privado. No caso da JBS, as duas coisas não aconteceram”, disse Sérgio Lazzarini, professor da Faculdade de Administração do Insper em São Paulo e coautor do livro “Reinventando o Capitalismo de Estado”, sobre a relação entre o governo e as corporações no Brasil.

Em carta aberta, na semana passada, Joesley Batista disse que errou ao participar do esquema e pediu desculpas. “Ainda que nós possamos ter explicações para o que fizemos, não temos justificativas”, disse ele. Batista disse que o “sistema” do Brasil muitas vezes cria barreiras para as empresas que querem realizar transações e que por causa disso optou-se por pagar propinas. “Em outros países fora do Brasil, fomos capazes de expandir nossos negócios sem transgredir valores éticos”.

Bill Bullard, CEO da R-Calf, uma associação da indústria da pecuária de Billings, Montana, EUA, que há tempos critica as grandes empresas frigoríficas, também se lembra de sua reprovação quando a JBS entrou no mercado.

“A JBS não só conseguiu realizar aquisições com empréstimos garantidos por propinas, mas também foi capaz de entrar no mercado bovino dos EUA e superar as ofertas de potenciais investidores americanos por esses ativos”, disse ele. “Usando meios ilícitos, a JBS foi capaz de conquistar o controle de uma grande fatia da indústria pecuária dos EUA.”

Além de delatar o pagamento de propinas em troca de recursos do BNDES, Wesley Batista também admitiu o pagamento de subornos em troca de isenções fiscais e disse que iria fornecer provas sobre supostas irregularidades envolvendo órgãos reguladores de segurança alimentar do País. Em março, a JBS foi envolvida em outra investigação quando uma de suas plantas, juntamente com outros 20 frigoríficos, foi acusada de subornar fiscais agropecuários para que aprovassem a venda de carne estragada.

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